O termo
“espiritualidade” não é só para padres, religiosos e religiosas. É um modo de
ser cristão no mundo. “Ser homem ou mulher espiritual” é deixar-se guiar a cada
dia pelo espírito de Deus, que em Jesus tornou-se Espírito do ressuscitado, que
anima a luta em busca do “novo céu e da nova terra, onde habitará a justiça”
(cf. 2Pd 3,13).
Com o Papa
Francisco, temos um novo modo de pensar
e viver a espiritualidade cristã. Uma espiritualidade que compreende a
solidariedade e os gestos concretos em favor dos pobres e marginalizados. Uma
espiritualidade vivida no dia a dia e comprometida com a realidade social, como
um modo de ser cristão no mundo. A espiritualidade, nesse sentido, é um caminho
estreitamente ligado à vida concreta.
Para nós, a
Bíblia é fonte da espiritualidade. É o livro que narra a experiência espiritual
de um povo. E o que nela contém é a história de um povo sempre a caminho, em
busca de um sentido para a sua vida, em Deus. Um povo que vive momentos de fé,
de esperança, de alegria, assim como de incertezas, de infidelidade, de
angústia. Como diz o Profeta de Deus: “O espírito penetrou neles, e reviveram,
colocando-se de pé. Era um exército imenso” (Ez 37; 1Ob). É esse o Espírito de
Deus, que transforma, na história, as realidades de morte em vida. Deixar-se
conduzir pelo Espírito de Deus é comprometer-se com situações de vida e entrar
na dinâmica de Deus que cria e recria. “Caminhar segundo o espírito é rechaçar
a morte (o egoísmo, o desprezo pelos outros, a cobiça, a idolatria) e escolher
a vida (o amor, a paz, a justiça)”.É o Espírito também que envia Jesus em missão.
Lucas, ao apresentar o programa da atividade de Jesus, coloca em sua boca as
palavras do profeta Isaías, quando este profetizava que o Messias iria realizar
a missão libertadora dos pobres e oprimidos: “O Espírito do Senhor está sobre
mim,porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-Notícia aos pobres;
enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da
vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor”
(Lc 4,18-19).Portanto, mais que “alma elevada” é preciso ter, como Jesus, um
“coração de carne” para agir em favor dos mais necessitados. Onde estiver o
“coração de carne” ali estará o Espírito de Deus: “Darei para vocês um coração
novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês um coração
de pedra, e lhes darei um coração de carne. Colocarei dentro de vocês o meu
espírito, para fazer com que vivam de acordo com os meus estatutos e observem e
coloquem em prática as minhas normas” (Ez 36,26-27).
Também na família,
que é o primeiro lugar onde o ser humano experimenta o amor, ou, pelo
contrário, pode se ver frustrado nessa experiência. Lugar onde um grupo de
pessoas compartilha as alegrias e esperanças, as tristezas, os cansaços, as
angústias e as dificuldades diárias. A espiritualidade familiar é o caminho em
que o homem e a mulher percorrem juntos com os filhos, buscando viver o
evangelho nas relações entre si, para enfrentar e superar os problemas.A
espiritualidade, então, é se libertar da visão consumista do tempo livre. É
preciso fazer dele verdadeiro lugar da experiência de Deus e de relacionamento
humano, gratuito. Mais do que nunca, é preciso recuperar e proporcionar a todos
o tempo livre entendido na linha da gratuidade, no qual o sentido da festa e do
encontro com Deus e com o próximo são os aspectos mais importantes. E da família para a
igreja, comunidade,lugar da partilha entre os membros que a
formam, a qual se expressa em gestos concretos “para fora”, na missão. É o
lugar da celebração da Eucaristia. É onde se reparte o pão, as alegrias, as
esperanças, bem como as dificuldades, as dores, as angústias, as tristezas.
O
cristão é chamado a viver no seu dia a dia esta mística do amor da forma como
Jesus viveu, mística entendida como motor secreto de todo compromisso, aquele
entusiasmo que anima permanentemente o militante, aquele fogo interior que
alenta as pessoas na monotonia das tarefas cotidianas e, por fim, permite
manter a soberania e a serenidade nos equívocos e nos fracassos. No que
se refere a espiritualidade, fica a certeza de que é na
realidade diária que cada agente de pastoral, cada cristão é chamado a viver em
comunhão com Deus, a entrar na dinâmica do Espírito Criador, que o anima no
compromisso com o mundo e o leva a transformar as situações de morte em vida,
como fez Jesus.“Toda a criação geme e sofre dores de parto até agora. E não
somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito,
gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo” (Rm
8,22-23), a libertação dos corpos sofridos, dos excluídos, de todos os que
esperam resgatar sua dignidade, que nasce da espiritualidade cristã vivida
concretamente na história.
Abraços a todos,
Frei Ademir Sanquetti
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